Com a escalada do conflito, agravaram-se também as preocupações do jovem de 26 anos, estudante de tecnologia de extração do petróleo e gás e DJ em `part-time`, que na sexta-feira passada decidiu deixar a capital ucraniana, Kiev, em direção a Lviv, nas proximidades da fronteira polaca, na companhia de um amigo.
“Houve muita confusão, era muita gente a tentar entrar nos comboios e estavam a dar prioridade às mulheres e crianças”, contou à Lusa, explicando que na altura já era quase impossível conseguir um bilhete para a viagem.
“Não se conseguia, nem nas máquinas nem na estação”, acrescentou. A prioridade eram os cidadãos ucranianos, mulheres e crianças. Mas muitos outros, como Valdir, acabaram por aproveitar a confusão e seguiram mesmo assim, sem título de transporte para Lviv, onde chegaram cerca de nove horas depois.
“Ficámos na estação, muito apreensivos”, relatou. Nas ruas, o cenário militarizado, com patrulhas de soldados ucranianos, e o ruído das sirenes contribuíam para elevar a tensão dos que ali se juntaram, procurando sentir-se mais protegidos dos bombardeamentos.
A estação tornou-se um mosaico de nacionalidades, incluindo muitos africanos. Além de angolanos, havia ganeses, camaroneses, nigerianos. “Muita gente aflita”, resume Daniel Valdir.
Foi aí também que o jovem encontrou um grupo de 40 angolanos também decididos a sair o mais rapidamente possível da Ucrânia. À falta de comboio decidiram organizar-se em pequenos grupos e procurar táxis que os levassem até à fronteira.
“Conseguimos arranjar um carro, mas quando chegámos aí a uns 40 quilómetros da fronteira disseram-nos que era o limite e mandaram-nos sair”, declarou.
À sua frente estendia-se uma longa fila de automóveis em fuga e o jovem angolano e os seus companheiros não tiveram outra alternativa senão caminhar até à fronteira, enfrentando os nervos, o cansaço e o frio.
Depois de cerca de sete horas a andar a pé, alcançaram finalmente o desejado portão do posto fronteiriço. Mas ao contrário do que esperavam, a entrada não foi imediata.
“Houve outra vez confusão estava tudo muito desorganizado, todos aos empurrões e a tentar passar, era difícil estarmos ali. Tentámos passar durante três horas e depois desistimos”, disse.
Já de noite, o frio tornou-se mais intenso e a tensão e a fadiga apoderam-se de uma das angolanas do grupo que começou a sentir-se mal.
“Ela estava a tremer de frio, não conseguia respirar e desmaiou”. Os companheiros tentam então voltar ao portão em busca de auxílio, mas os guardas não se demovem.
“Ninguém nos ajudou, disseram que tínhamos de esperar ali mesmo, aí achei o tratamento mesmo desumano”, lamentou o estudante, acrescentando que a jovem acabou por ser socorrida por outros angolanos e foi recuperando a consciência.
Para apaziguar o frio, acenderam-se fogueiras, preparando a noite ao relento.
“Nós estávamos muito frustrados, não conseguíamos entender por que ninguém vinha em nosso auxílio, reclamámos muito, mas não tínhamos noção que, do outro lado do portão, ainda era Ucrânia”, continuou.
Finalmente, durante a madrugada, Daniel conseguiu aproximar-se do controlo e submeter às autoridades os seus documentos para poder continuar em direção à Polónia onde chegou na manhã de domingo.
Já do outro lado, os angolanos eram esperados por autocarros das autoridades polacas que os transportaram até um centro de acolhimento.
“Aí encontrámos o pessoal da embaixada, que depois nos encaminhou para um hotel onde nos encontrámos, em Varsóvia”, e onde estavam já cerca de 50 angolanos, sendo esperados mais compatriotas, adiantou.
Questionado sobre se sentiu discriminado durante esta viagem, Daniel Valdir reiterou que a prioridade foi dada aos cidadãos ucranianos. “Mas tenho consciência que todo mundo estava em pânico”, acrescentou o jovem, ressalvando que tudo poderia ter sido mais bem organizado.
Daniel Valdir, aliviado pelo fim da jornada, adiantou que todos se encontram bem neste momento, apesar de se sentirem “fracos” e “debilitados devido ao cansaço”.
Para muitos dos seus compatriotas, adiantou, o objetivo é continuar a viagem e seguir para outras paragens pois “não querem ficar na Polónia, não se sentem seguros”.
A Rússia lançou na quinta-feira de madrugada uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já mataram mais de 350 civis, incluindo crianças, segundo Kiev. A ONU deu conta de mais de 100 mil deslocados e quase 500 mil refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia.